23/01/2014

Livro com histórias de poetas às margens do Pajeú será lançado nesta quinta-feira

Das faces pouco palpáveis de nossa história, a tradição da poesia oral talvez seja aquela mais rica, mais interessante e… menos lembrada. Se o talento para os versos brotam com facilidade em diversos recantos de Pernambuco, se “vem de berço” em cidades como a tão mencionada São José do Egito, no Sertão do Pajeú, não se pode dizer o mesmo a respeito do costume de preservar a manifestação cultural.

Cantadores, repentistas, violeiros, poetas populares e outros incontáveis artesãos da palavra têm, em geral, pouco ou nenhum registro da própria produção. E, quando dispõem, raramente são devidamente valorizados, reproduzidos, compartilhados.

Desbravar municípios do estado para capturar fragmentos poéticos é, portanto, uma urgência moderna. Com esse olhar voltado para a pesquisa e o resgate cultural, o jornalista Inácio França e os poetas e pesquisadores Alexandre Ramos e Cida Pedrosa puseram no papel 26 histórias costuradas pela vida e obra de artesãos da palavra. O fio condutor de O rio que não passa (Andararte, 256 páginas) é a interseção entre os personagens da vida real, a poesia e a história do Rio Pajeú. Ilustrada com fotos de Tuca Siqueira, a obra será lançada nesta quinta-feira, às 19h, no Gabinete Português de Leitura, no Recife. No evento, poetas retratados vão narrar trechos do livro.

“Não se trata de uma antologia que destaque os poetas mais expressivos, mas, sim, de um processo de compreensão de uma sociedade ribeirinha em um determinado tempo histórico”, comenta o coordenador do projeto, Alexandre Ramos. Associado ao fazer poético, o texto se ocupa dos municípios por onde o rio passa, da economia, da história, do clima, das relações de trabalho e até das festas populares. São mencionadas no livro as cidades sertanejas de Brejinho, Itapetim, São José do Egito, Tabira, Tuparetama, Carnaíba, Flores, Serra Talhada, Afogados da Ingazeira e Floresta.

Geografia dos versos

BREJINHO

Erivaldo Ferreira

Quando o dia vem raiando
Das aves começa a farra
Lá no nascente uma barra
Verelha vem despontando
A nuvem descongelando
Por detrás da serrania
Fecha o tempo, a terra esfria
Molha a roupa da campina
Toda manhã nordestina
Tem cheiro de poesia

SÃO JOSÉ DO EGITO

Anita Costa

A saudade é muito ingrata
e é muito companheira,
eu desisti do riacho
e tenho subido ladeira,
porque a vida da gente,
é coisa mais passageira.

TUPARETAMA

Valdir Teles

Não precisa de energia
Só basta o céu e a lua
Ele despido ela nua
Um de noite outro de dia
Na hora em que a terra esfria
Deus faz a transformação
O sol apaga o clarão
A luz desfila acesa
Tudo que há de beleza
Deus colocou no Sertão

AFOGADOS DA INGAZEIRA

Diomedes Mariano

Nosso Pajeú querido,
Rio dos mais respeitados,
Que quando cheio espelhava,
O rosto de Afogados,
Quem foste tu, quem tu és?
Foste um dos fortes pajés,
Impondo enorme respeito,
És hoje um índio cansado,
Tendo um sentimento ilhado,
Na solidão do teu leito.

ITAPETIM

Zé Adalberto

Hipótese que não descarto
Pelo que evidencio
A Poesia e o Rio
Nasceram do mesmo parto
Há um material farto
Margeando a hidrovia
Do Rio, cuja bacia
Faz emergir essa “graça”
Por onde o Pajeú passa
Dissemina a Poesia.

TABIRA

Dedé Monteiro

O lixo atapeta o chão,
Um caminhão se balança,
Quem é de for a se lança
Em cima do caminhão,
Um ébrio esmurra o balcão
Do botequim da esquina,
Um gari faz a faxina,
Um cego ensaca a sanfona,
Um vendedor dobra a lona
Depois que a feira termina.

CARNAÍBA

Lio de Souza

Joana guerreira que lançou
ao mundo,
Sete rebentos,
Que lhes arrebentaram a alma,
Quando pediam comidas.
Joana que não era francesa,
Mas foi sertaneja,
Rodou mundo afora

FLORES

Raimundo Lourenço

Porque Margarida Alves
era uma mulher honrada,
na luta de trabalhadora
foi bastante preparada,
entre os filhos e o marido
ela foi assassinada
Então Alagoa Grande
é o ponto de partida,
porque daquela mulher
as gotas de sangue vertidas
das que caíram no chão
nasceram muitas Margaridas

SERRA TALHADA

Cícero Moraes

Quem faz repente é artista
Descobre o palavreado
Faz verso metrificado
Noticiado em revista
Fala do Hitler nazista
E do bote da serpente,
De cerveja ou aguardente,
Canta sobre o invisível
Não há assunto impossível
Pra quem fabrica repente.

FLORESTA

João Birico Filho

Meu velho e querido Rio Pajeú
Eu sou apaixonado por ti
Goso de ouvir o sapo-cururu
Cantando nas moitas de Calumbi.
Suas frondosas caraibeiras floridas
Fazem parte da minha vida
Por elas eu tenho muito carinho
Nos teus frondosos juazeiros
Nas tuas moitas de salgueiros
A juriti fazia seu ninho.

Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

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