22/10/2012

No Pajeú, um repentista no poder



Foto: Rayane Brito

Se o sertanejo é, antes de tudo, um forte, e uma das maiores expressões do Sertão pernambucano é repente, que conta em poesias as agruras da região, os eleitores de Tabira, no Sertão do Pajeú, depositaram confiança em um representante da cultura popular local. Cantador de viola e repentista, o prefeito eleito da cidade, Sebastião Dias (PTB), está acostumado a traduzir o modo de vida do homem sertanejo através da arte. Agora, terá que tentar traduzi-lo no papel de gestor público.

Embora não seja um estreante na política – já foi diretor de Cultura, Secretário de Cultura e vereador em Tabira – Sebastião Dias conta que a oposição debochava do fato de um poeta querer chegar à prefeitura. Segundo ele, militantes do prefeito e então candidato à reeleição, José Edson Cristovão de Carvalho, o Dinca (PSB), distribuíram mil miniaturas de viola e uma réplica do instrumento com dois metros de altura, colocada em uma praça que fica em frente à sua casa, dizendo que as quebrariam quando ele perdesse a eleição.

“Faziam chacota, diziam que iam quebrar a viola, iam me ‘arremedar’ na praça. Mas dizer isso no Pajeú é quebrar a cara, né? Não deu: quem manda no Pajeú é a viola, em Tabira principalmente. Isso é um reconhecimento ao poeta nordestino, essa figura que reivindica, que canta as dores do povo, o amor a natureza, isso é uma coisa muito forte. Eu sensibilizei o meu eleitorado justamente recitando versos e pedindo ao povo que respeitasse a viola, e foi o que aconteceu”, conta ele.

E foi inspirado nisso que após sua vitória Sebastião criou os versos que faz questão de recitar: “Foram dias de muito sofrimento/ afastado do som da minha lira./Só porque defendi nossa Tabira /prometeram quebrar meu instrumento./ Mas viver sem cultura eu não aguento,/poesia pra mim é coisa bela./ E até quando esta mão pega na vela / poesia será a minha escola./Quem queria quebrar minha viola/ foi dormir escutando o choro dela.”

As bandeiras políticas levantadas durante a campanha de Sebastião são as mesmas que ele transmite em sua obra. Em muitas de suas composições, ele denunciou a pobreza e as dificuldades do sertanejo, sua preocupação com a defesa ambiental, com as desigualdades sociais.

Aliás, quando ele começou a cantar, o Brasil ainda vivia a ditadura militar. Através da linguagem da sua poesia, ele fazia a população mais pobre entender o regime. “O cantador teve uma liberdade de expressão maior. O pessoal estava morrendo nos porões e a gente começou a denunciar cantando, denunciando o militarismo, a maldade”, lembra ele, que relata ter sido agredido por um policial militar após uma apresentação em que entoou diversos versos de protesto no Teatro da Paz, em Belém do Pará.

Sebastião contou ainda que fazia cantorias nas missas do arcebispo emérito de Olinda e Recife dom Hélder Câmara e nas manifestações do “Diretas Já”, em 1984. Participou também, com a cantoria de viola, da campanha que elegeu o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) pela primeira vez prefeito do Recife (1985).

“A viola chamava aquele povo que às vezes tinha até medo de sair de casa para concentrações em qualquer canto. Mas com a viola o povo vinha, e eu fui perdendo o medo. Naquele tempo, tinha um comício da direita com 10 mil pessoas, mas você botava menos de duas mil num comício das esquerdas como a gente”, relembra o violeiro.

 por Flávio Marques

0 comentários: