13/07/2016

Yane Marques mostra a força do sertão pernambucano no pentatlo

De Afogados da Ingazeira vem a esperança de medalha para o Brasil.
Série Perfis mostra o talento brasileiro em quadras e pistas.

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No segundo episódio da série de reportagens com nossos personagens olímpicos, o repórter Pedro Bassan conta a história de uma sertaneja que saiu do interior de Pernambuco.
 “De um lugar cheio de estrelas
Onde a gente possa vê-las
Facilmente a olho nu
Com astros de canto a canto
E bênçãos de um mesmo tanto
Ou é céu, ou é Pajeú”.

No vale do Pajeú, o sertanejo já viu de tudo, mas medalha brotando no chão é a primeira vez.

Essa é a história de um esporte que surgiu bem longe dali. Diz a lenda que, durante uma guerra na Europa, um soldado recebeu uma missão: entregar uma mensagem cruzando os campos de batalha. O soldado pegou um cavalo que não conhecia e saiu. Para atravessar as linhas de frente teve que combater usando o revólver e a espada. Mas, no meio do caminho, um problema sério tornou a missão ainda mais difícil. O cavalo se feriu e o soldado teve que completar o percurso a pé, atravessando lagos e rios.

Surgiu assim o pentatlo moderno. Cavalgar, correr, nadar, atirar, e enfrentar adversários com a espada. No sertão nordestino, surgiu uma brasileira capaz de fazer tudo isso.

Para juntar cinco esportes em um só, Yane Marques carrega a força do sertão:

“Essa origem do sertão, não tem como me desvincular disso. São características e valores que a gente leva para a vida toda. Uma vez sertaneja, eternamente sertaneja”.

Afogados da Ingazeira, Pernambuco. O quintal de cada criança é a cidade inteira.

“Suco gelado, cabelo arrepiado, qual é a letra do seu namorado?”

Nas brincadeiras antigas, o esforço e o sorriso andam juntos. E assim, sem perceber, aos poucos as meninas vão se tornando atletas, vão se tornando Yane Marques.

“Ela sempre fez tudo ao mesmo tempo”, diz a irmã Cristina.

“Corria demais, subia nas árvores, era pior do que um... um... gato”, lembra a avó Tila, rindo.

Determinada. Desde pequena quebrando recordes. A escola guarda até hoje o boletim da melhor aluna. Em qualquer matéria, a vontade de estudar. E em qualquer esporte, a vontade de se superar.

Aos 11 anos, quando a família se mudou para o Recife, ela escolheu o vôlei.

“Com certeza no voleibol ela também iria se dar bem”, confirma a antiga professora de educação física Mônica Andrade.

E pelo jeito, também no futebol. No basquete. Faltou alguma coisa?

“Nas minhas férias eu aproveito para viver um pouquinho isso. Eu brinco que no tênis eu chego na bola, mas erro a raquetada”, brinca Yane.

Aos 15 anos, finalmente Yane sossegou num lugar só.

Na piscina, chegou a ser campeã brasileira de revezamento. Mas, de repente, no meio do caminho tinha uma palavra: pentatlo. Se você nunca tinha ouvido, não se preocupe.

“Ela também não sabia o que era pentatlo. Quando ela recebeu o convite ela também não sabia”, conta a mãe Goretti.

“E eu pensei: pô, pentatlo, que deve ser? Deve ser nadar, correr, pedalar e mais dois, né”, relembra Yane.

O treinador Nuno Trigueiro explicou.

“A estratégia era justamente essa: a gente tentar fazer com que uma nadadora conseguisse aprender a cavalgar, aprender a atirar, aprender a esgrimar, aprender a correr”.

Depois do espanto inicial, Yane descobriu que tinha acertado na mosca. Não parou mais, até porque, no pentatlo, para pendurar as chuteiras é preciso pendurar o tênis, a bota, a espada, os óculos...

“Em Afogados da Ingazeira são 18h50. Nós queremos com muita satisfação registrar a presença aqui da equipe da TV Globo”.

E nós queremos com muita satisfação apresentar o locutor. Vanderlei é o pai de Yane Marques. E o que ele tem a ver com o pentatlo? Sem saber, teve muito. O locutor de vaquejada apresentou para a filha uma das modalidades.

“A gente como locutor de vaquejada, eu sempre levava a Yane comigo. A Yane não deixava os amigos vaqueiros sossegados, pedindo o cavalo, que ela queria andar a cavalo e aquela história toda. Hoje nós temos uma das maiores pentatletas do mundo”, conta o pai Vanderlei Galdino.

“Era o contato que eu tinha com cavalo, que é totalmente diferente dos cavalos que eu lido hoje no hipismo. Mas acho que é o mesmo bicho. E esse lance de ter medo do animal eu meio que pulei essa etapa quando entrei para o pentatlo porque eu já tinha tido esse contato anteriormente. Preciso reconhecer que eu acho que nasci para isso”, diz Yane.

O destino foi preparando aos poucos a menina sertaneja. Só não preparou o coração da mãe. Enquanto as mãos de Yane levam o cavalo, dona Goretti leva a fé na ponta dos dedos.

“Eu tenho medo da prova de equitação É perigoso. Ela levou uma queda já, e foi grande, e eu fiquei muito assustada. Aí eu ainda hoje tenho medo. Eu não vejo a prova dela”, afirma Goretti.

“Quando eu termino a equitação, onde eu estiver, eu tenho que ir atrás de um telefone, de alguma coisa a dizer: mãinha, tudo bem”, confessa Yane.

Pentatlo. Com Yane Marques, o Brasil aprendeu a pronunciar o nome de cinco esportes de uma vez só. E num dia só. Às 10h, natação; meio-dia, esgrima; 15h, hipismo; 18h, o apogeu, o evento combinado. A atleta sai da calma absoluta do tiro para a agitação da corrida.

O pentatlo é a arte de se transformar.

“Largar aquela pistola, agora não sou mais tranquila, agora sou tipo uma leoa: vou correr”, explica Yane.

Às 18h40, premiação. Em Londres ela estava lá, pegando o bronze, surpreendendo o mundo. Surpreendendo quase todo mundo.

“A gente que acompanha de perto sabe o que o atleta está fazendo, toda a preparação. Eu sabia que era possível, sabia que era possível”, fala a mãe.

“Correr, nadar, atirar, usar cavalo e espada
Para uma autêntica sertaneja isso tudo não é nada.
Pois sertaneja é assim: faz de tudo e nada erra
E ainda não abre mão de exaltar a sua terra.
Em Afogados da Ingazeira, onde o sol mais forte brilha
Brilha o brilho de Yane, sua mais brilhante filha”.

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