02/10/2017

25 anos depois, PMs do Carandiru são promovidos por mérito

Três réus pelo massacre trocaram de patente. Secretaria não explica critério

Giorgia Cavicchioli e Ana Beatriz Azevedo*, do R7
Chacina resultou na morte de 111 detentosMônica Zarattini/Estadão Conteúdo

Vinte e cinco anos após o massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992, ao menos três policiais militares da ativa, réus pela chacina que resultou na morte de 111 detentos, tiveram suas últimas promoções por "merecimento".

Para trocar de patente — e consequentente ter um nível hierárquico mais alto e uma remuneração-base maior —, policiais militares podem ser promovidos por "merecimento" ou por "tempo de serviço".

De acordo com o Diário Oficial do Estado de 15 de dezembro de 2016 — dois meses após serem anulados os quatro júris que condenaram 74 policiais pelo massacre —, Jair Aparecido Dias dos Santos foi promovido por merecimento de 1º sargento a subtenente. O policial é um dos 15 réus pela invasão do terceiro andar do Pavilhão 9 da Casa de Detenção. Oito presos foram mortos no andar.

Um ano em meio antes, em 2015, quando a condenação ainda não havia sido revogada pelo Tribunal de Justiça, Marcelo Gonzales Marques foi promovido de major a tenente-coronel. A promoção, por merecimento, consta do Diário Oficial do Estado de 23 de maio de 2015. Ele é um dos 26 réus que respondem pela invasão do segundo andar do Pavilão 9, onde 78 detentos morreram.

Em 2009, antes ainda de os júris anulados acontecerem, Marcos Ricardo Poloniato foi promovido, também por merecimento, de 1º tenente a capitão. A mudança de patente consta do Diário Oficial do Estado de 15 de dezembro de 2009. Poloniato faz parte do grupo de 23 policiais que entrou no primeiro andar do Pavilão 9, onde morreram 15 detentos.

Massacre ocorreu após detentos iniciarem uma brigaEstadão Conteúdo/26.08.1975

Todos aguardam decisão da Justiça sobre recurso que contesta a realização de novo júri, após os julgamentos ocorridos entre 2013 e 2014 terem sido anulados pelo TJ-SP em 2016. O Tribunal de Justiça de São Paulo afirma que um novo julgamento só será marcado caso o recurso seja negado.

O R7 solicitou à advogada dos réus, Ieda Ribeiro de Souza, entrevista com os três policiais promovidos. Ela, porém, afirmou que seus clientes não se pronunciariam.

Ieda afirmou que a promoção por mérito é por um conjunto de feitos dos policiais. “A promoção por merecimento é pelos trabalhos desenvolvidos dentro da corporação. Todos eles tiveram suas promoções. Pelo conjunto deles como policiais. Não existe por essa ou por aquela. É pelo conjunto da atuação deles como policiais”, disse a advogada.

A reportagem questionou também a Secretaria de Estado da Segurança Pública sobre quais critérios levaram a Polícia Militar a promover os policiais. Até o fechamento desta reportagem, a pasta não havia se manifestado.


O massacre do Carandiru ocorreu após dois dententos iniciarem uma briga. Após cerca de quatro horas, uma rebelião havia se instalado no local. Sem nenhuma reivindicação dos presos, a Polícia Militar foi autorizada por Luiz Antônio Fleury Filho, então secretário de segurança pública, a entrar no presídio com armas.


Comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, a invasão resultou na morte de 111 presos e se tornou o maior massacre penitenciário das Américas.

Ubiratan chegou a ser condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 presos em 2001. Um ano depois ele foi eleito deputado estadual. E, em 2006, acabou absolvido pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Ainda em 2006, sete meses após sua absolvição, Ubiratan foi morto a tiros em seu apartamento nos Jardins. Acusada pelo crime, a advogada Carla Cepollina, namorada do coronel, foi absolvida pelo Tribunal do Júri em 2012.


O advogado João Benedicto de Azevedo Marques, que em 1992 era membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e foi uma das primeiras pessoas a entrar no presídio dois dias após o massacre, afirma ter visto “rios de sangue”. “Os presos ainda estavam apavorados, sentados no canto da cela, com as mãos na cabeça”, diz. “A gente via que havia sinais de disparos de metralhadora a um metro e meio do chão.”

Em 1993, surgiu o PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa que teria catalisado sua formação após o massacre.

Entre os anos de 2013 e 2014, 74 policiais foram condenados pela morte de 77 presos. Condenados, as penas dos agentes variaram de 48 a 624 anos de prisão. Em 2016 Tribunal de Justiça anulou os julgamentos e, neste ano, definiu que novos júris devem ser marcados.

A advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defende os policiais, afirmou que recursos do caso foram recebidos para serem processados em Brasília na última quinta-feira (28). “O STJ (Superior Tribunal de Justiça) vai decidir se eles vão ser absolvidos”, diz. “A defesa continua sendo no aspecto da individualização da conduta. Todos entraram [no Carandiru] no estrito cumprimento do dever legal e [agiram em] legítima defesa própria.”

*Ana Beatriz Azevedo é estagiária do R7


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