20/03/2013

“Apagão” elétrico: a população merece respeito

(Por Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco)

Há quase 20 anos vemos uma disputa política entre dois partidos pelo poder. Natural disputa, já que se constitui a própria razão da existência dos partidos políticos. Um dos temas que tornou freqüente nesta peleja é a questão energética.

As criticas eram com relação à visão dos idealizadores da reforma no setor elétrico que com a promulgação da Lei 8987/95, conhecida como a Lei de Concessões de Serviços Públicos, e da Lei Setorial 9047/95, foram estabelecidos os fundamentos básicos do novo modelo elétrico, iniciando assim a abertura do setor à participação dos capitais privados. A partir daí, a energia tornou-se uma mera mercadoria sujeita as leis de mercado. A reestruturação acabou resultando num grande descompromisso do Estado Brasileiro em planejar e investir neste bem estratégico. O resultado foi o fiasco, e a barbeiragem do governo federal em 2001/2002 que ficou conhecido como “apagão”. Na realidade ocorreu o desabastecimento de energia, o racionamento. O partido então no poder, foi criticado severamente (e com toda razão) pelo partido que almejava o poder. Este evento, sem dúvida, contribuiu em muito para a derrota e a alternância no governo federal.

Os antigos críticos do modelo mercantil, que levou a privatização de 100% das distribuidoras energéticas estaduais, uns 40% da transmissão e quase 30% da geração; chegaram ao poder, mas não cumpriram as promessas de campanha, e simplesmente não alteraram sua essência, vigente até os dias de hoje. Realizaram apenas modificações e adequações do antigo modelo.

Muitas das promessas que justificaram entregar ao setor privado componentes fundamentais do setor elétrico (geração, transmissão, distribuição); como a eficiência na gestão, a melhoria da qualidade dos serviços, a inexistência de novos “apagões”, e a modicidade tarifária, acabaram não se concretizando. Pelo contrário, os serviços prestados tiveram uma queda vertiginosa na qualidade, e ocorreu uma explosão tarifária.

Equívocos sucessivos cometidos nesta área estratégica estão levando ao descrédito o sistema elétrico nacional. A freqüência e a duração das interrupções de energia levaram as autoridades do setor a afirmarem, que as ocorrências destes episódios são “mera coincidência”, “fatalidade”, provocadas por “perturbações atmosféricas”. Enfim, culpabilizam alguém que não pode se defender, o santo São Pedro. E outras baboseiras sem igual. A população não aceita mais esta “conversa para boi dormir”.

Necessário reconhecer que há problemas, e deixar de lado a auto complacência das autoridades que tentam minimizar as causas e os efeitos da extensa série de interrupções do fornecimento de energia, que tem afetado a vida de milhões de brasileiros.

É bom não esquecer que a péssima tradição da política tupiniquim não mudou. Continua o “loteamento” dos ministérios para os grupos alinhados da base governista, através de critérios meramente político. Por exemplo, o Ministério de Minas e Energia, que faz parte desta partilha, é um feudo que já perdura anos e anos. Como conseqüência, este ministério estratégico e de caráter eminentemente técnico, está “infiltrado” de neófitos. Seus “especialistas” tomam medidas no mínimo equivocadas, com conseqüências dramáticas para a nação. Além do setor, continuar “hermeticamente fechado” aos ares salutares da democracia. Quem decide a política energética é o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), órgão de assessoramento da presidência da republica, composto atualmente de 10 membros.

Tendo como ingredientes, o modelo mercantil, a privatização, dirigentes incompetentes, decisões autoritárias e antidemocráticas, falta da falta de transparência; o resultado não poderia ser diferente do que encontramos hoje.

Enquanto os “apagões” e “apaguinhos” se sucedem com uma freqüência irritante, se trava uma luta pelo poder, sem nenhum compromisso em resolver a atual situação, deixando a população refém dos interesses dos partidos políticos. O que importa é designar: “apagão de FHC”, “apagão do PSDB”, “apagão do Lula”, “apagão da Dilma”, “apagão do PT”, etc, etc. Enquanto isso a situação se agrava, a desconfiança e a falta de credibilidade do setor aumenta, e é a população quem “paga o pato”.

Sem dúvida não há sistema de geração, transmissão e distribuição de energia totalmente imune a acidentes e falhas. No entanto, o que ouvimos das autoridades como explicações das freqüentes interrupções no fornecimento, atingindo extensas áreas e prejudicando milhões de brasileiros, é totalmente inaceitável. As falhas apresentadas no sistema indicam problemas de manutenção e de projeto. Traduzindo, investimentos estão sendo subtraídos, e falta mais engenharia, pessoal qualificado (menos apadrinhados). Também o que se verifica nos balanços contábeis das empresas são lucros exorbitantes, em particular das distribuidoras, completamente fora da realidade nacional.

Devemos deixar de lado o oportunismo político que assola o país, e resgatar a dignidade de se fazer política. As urnas de outubro de 2012 mostraram o quanto à população rejeita a politicagem. Quase 1/3 dos eleitores se recusaram a depositar seu voto em qualquer político. Optaram por impugná-lo, não ir votar, deixá-lo em branco. Daqui a aproximadamente 18 meses, novas eleições serão realizadas, inclusive a disputa pelo cargo de presidente. Esta na hora da classe política respeitar mais os desejos e reclamos da população. Ela merece respeito.

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